Quando o pessoal “Good vibes” virou uma moda, quase uma febre, eu comecei a me questionar se o que eu fazia e quem eu era estava certo. Como pode tanta gente otimista e pra cima e eu aqui tomando cuidado com cada decisão, sofrendo com dias ruins no trabalho, encarando dificuldades chorando ou esbravejando por muitas vezes?
Demorou até que eu pudesse aceitar que não importava o quanto eu me esforçasse para ser uma menina good vibes, eventualmente eu ia mandar alguém a merda ou ia simplesmente passar raiva, mesmo que essa não fosse a minha intenção inicial. E sabe que me dei conta de que o mercado de trabalho ter esse pessoal good vibes em excesso faz com que pessoas normais, que sofrem, detestam algumas segundas feiras, querem seu feriado para descansar... se sintam mal sobre elas mesmas. Mesmo que o trabalho que essas pessoas façam seja excepcional, mesmo que essas pessoas sejam incríveis no que façam, ainda assim sentem culpa por ter dias ruins, pois afinal de contas “gratidão à cima de tudo” é um pré requisito se você quer mesmo ser um profissional de sucesso, se você quer ser um exemplo de ser humano bem sucedido, não é mesmo?
Trabalhar por mais da metade do dia, usar os fins de semana em prol do trabalho, dedicar todo o tempo que você tem livre para se aperfeiçoar, acordar o mais cedo que você se quer aguenta, ser otimista mesmo que você esteja em um sofrimento profundo... Essas são só algumas coisas que já vi os colegas “good vibes” pregando. Será mesmo que esse tipo de atitude é o que vai fazer alguém ser feliz e ter sucesso na vida? Provavelmente isso funcione para alguém, mas tentar tornar isso uma regra, um padrão é de um egoísmo tão absurdo que nem consigo colocar no papel. Em tempos onde a depressão mata mais do que em qualquer outro momento da história da humanidade, forçar a felicidade, gratidão e otimismo em todo mundo é um absurdo, ninguém deveria ser forçado a celebrar.
“O trabalho dignifica o homem” já diziam os sábios... Sabe o que mais dignifica o homem? Entender que o próximo pode estar passando por problemas que você nem se quer é capaz de imaginar. Respeitar a curva de aprendizagem do próximo. Compreender que nem sempre as pessoas vão ser capazes de agradecer por tudo o que elas tem. Saber que a dor do outro não pode ser comparada à sua. Ajudar verdadeiramente alguém que está passando por uma dificuldade. Não forçar conceitos que funcionam na sua vida à vida do próximo. O trabalho dignifica o homem e a saúde mental faz com que o tal do homem seja capaz de trabalhar sem morrer um pouco por dentro todos os dias...
O normal não deveria ser acordar, obrigado, às 5 da manhã, afinal se você não é do ”5 A.M. club” você não está comprometido o suficente. O normal não deveria ser você chegar no trabalho de manhã e ser obrigado a colocar uma máscara sorridente frente à própria expressão, do contrário o famigerado RH te chama no cantinho pra garantir que você está “alinhado com a cultura da empresa”. O normal não deveria ser você acordar triste porque tem que passar o dia todo enclausurado em um trabalho que não te satisfaz e ainda por cima ter que fingir muito bem que ama aquilo tudo ou você não tem mais como pagar seus boletos... Já passou da hora de aceitar que o ser humano pode sim ter momentos “good vibes” mas que também tem os momentos de irritação, nervosismo, ansiedade, tristeza e sofrimento. Tentar lidar com problemas reais a partir de conceitos imaginários e fictícios vai no máximo adiar um sofrimento, postergar uma crise, ajudar a ignorar um problema. Ser 100% do tempo good vibes não pode ser saudável, nem mesmo animais irracionais são capazes de ignorar o sofrimento, você acha mesmo que o ser humano em toda sua complexidade vai ser capaz de simplesmente colocar de lado dores e angústias sem tratar isso apropriadamente? Eu não sou nenhuma especialista, mas por experiência própria afirmo que não!
Sabe qual é a maior atitude good vibes que uma pessoa pode ter com às outras a sua volta? Respeito.
Se você não é capaz de respeitar o sofrimento de alguém, se você não é capaz de compreender que a depressão é uma realidade entre milhares de pessoas, se você não é capaz de ajudar alguém que não está bem em vez de tentar dar uma lição com a lista de atitudes MARAVILHOSAS que a pessoa deveria tomar para ser “positiva” como você, meu caro, você não é “good vibes”, “positividade sempre”, “otimismo é o que move o mundo”, você é simplesmente um cretino egoísta. Se você força à positividade em vez de compreender alguém que está em sofrimento, não venha espalhar sua foto com o “Setembro amarelo” pelas redes sociais. Você estará fazendo um desserviço com quem está passando por isso. Se a sociedade toda não está consciente, não vai existir otimismo que consiga acabar com o sofrimento do próximo, não vai ter positivismo que elimine depressão, não vai ter esforço que faça uma pessoa triste ficar feliz.
Sinto muito se soei “bad vibes”. O mundo não está parecendo um lugar muito “nice vibes only” ultimamente.