A alguns anos criei o hábito de me levar para passear, me levar para jantar, me levar para almoçar e fazer vários programas na minha companhia. Eu estava em uma nova cidade, solteira, conhecendo amigos e estava em um momento muito meu. Com esse hábito, veio outro junto, o de observar as pessoas. Ver como as famílias se conversam, ver como os casais almoçam juntos, como os pais ensinam as crianças a segurar o garfo ou a carregar o cachorro na coleira. Tirei conclusões incríveis observando tudo isso…
Eu não gosto de pegar o celular no meio de uma refeição e não gosto que as pessoas que estão comigo peguem também. Parece que as pessoas não tem mais paciência umas com as outras. As histórias se tornaram longas demais, as conversas desinteressantes demais e o celular sempre tem um quê a mais que o torna mais interessante do que as pessoas ou a pessoa que está ali naquela mesa. Então eu faço um esforço muito grande para que o celular não seja o objeto principal dos momentos, fico torcendo para que a conversa seja tão boa que ele fique esquecido e ignorado de lado. Cansei de ver casais sentados frente a frente, cada um sorrindo para seu respectivo celular. Cansei de ver crianças choramingando por atenção, enquanto suas mães e pais estavam com uma mão segurando o celular e com outra balançando um brinquedo para que a criança se distraísse.
Eu já vi famílias inteiras comerem uma refeição do começo ao fim com todos os membros da família mexendo no celular, os pais, as crianças e o bebê. Quem sou eu para julgar os motivos que eles tiveram para isso?! Ninguém, mas mesmo assim, não pude deixar de pensar… Foi entristecedor ver aquela cena. Em contrapartida, já vi um pai com suas duas filhas conversando, rindo e ajudando a montar o brinquedo do McDonalds, sem encostar a mão no celular nenhuma vez.
Eu não conheço essas pessoas, não sei de suas razões, motivos, não sei se estão cansadas ou super atarefadas, justamente por isso, crio a minha versão de estória de cada cena que observo sem sentir culpa nenhuma nisso. O que sei da estória da família com todos os membros mexendo no celular é que daqui a 15 anos, os filhos mais velhos não vão mais conversar com os pais, o bebê, vai ser um adolescente revoltado e cheio de mágoas com problemas de complexo de abandono. O que imagino é que aquele pai, ajudando as crianças a montar os brinquedos, é o mesmo que vai estar segurando os netos no colo e aplaudindo suas meninas em suas formaturas, é o mesmo que vai escutar a reclamação sobre trabalho e saber que conselho dar.
Sei que nenhuma das estórias que crio são reais, sei que posso estar completamente equivocada e é aí que mora a beleza da observação sem compromisso nenhum.
A proximidade e o sentimento de carinho que o vínculo físico pode criar, tecnologia nenhuma é capaz de proporcionar. A tecnologia permite que estejamos sempre em uma mesma rede, permite que a gente olhe no Instagram daquele amigo que não vemos a alguns anos e saiba que ele viajou para o Caribe com sua nova esposa, permite que a gente saiba que aquela mulher que faz yoga na mesma academia entrou em um relacionamento sério semana passada, permite que a gente converse com aquele tio que foi morar na Espanha, sem dificuldade nenhuma, em tempo real e em vídeo inclusive. A tecnologia é linda, ela facilita muito contato em nossas vidas. Entretanto, em simultâneo, ela também toma nossa atenção das pequenas coisas da vida.
Imagino que quando aquela mãe que acabou de ter o segundo filho e está ali, descabelada, com um pouco de baba no ombro, tentando fazer o filho mais velho comer sem derrubar ervilhas por toda a parte enquanto balança com o pé o carrinho do mais novo e com uma das mãos olha o celular e vê aquela amiga da quinta série viajando para o sétimo país esse ano, com um cabelo hidratado e a pele bem cuidada, ela talvez sinta um remorso sobre a própria vida e aí nesse instante, em vez de ver que seu bebê está sorrindo para ela com aquela boquinha sem dentes, ela está lá, presa naquela foto, de uma pessoa que ela já nem conhece mais e que postou o melhor ângulo, com o melhor sorriso, no melhor lugar possível.
Quando penso nesse tipo de situação imagino que seria muito melhor para essa mãe que ela vivesse seu momento, sem se preocupar com a vida dos que a cercam. De novo, eu não sou ninguém para julgar ou adivinhar motivos que levam às pessoas a agir como agem, sou só uma observadora. E observando consigo dizer que às vezes, as pessoas perdem momentos legais de suas próprias vidas por estarem ocupadas olhando como vai a vida dos outros que nem fazem parte de seus círculos de convívio.
Quando chegamos a vida adulta e somos responsáveis por tomar conta das contas, das obrigações, dos compromissos, fica muito difícil separar a vida pessoal da vida profissional, os problemas das soluções, os erros dos acertos. É difícil deixar o trabalho de lado, ou aquele problema que deu na faculdade e é aí que o celular entra de novo. Dá pra resolver rapidinho, na hora do almoço mesmo… E em vez de aproveitar aquela uma horinha do dia com a pessoa que você ama ou simplesmente aproveitar a refeição que você está tendo, a comida entra, sem nem ser notada, o problema está resolvido, a treta com o grupo de trabalho daquela matéria chata está resolvida, as contas estão pagas no internet bank, as anotações no aplicativo de controle de tarefas estão atualizadas e mais uma vez, você fez tudo o que tinha para fazer de uma forma mecânica, quase que inconsciente.
Eu sei que pode soar hipócrita tudo isso. Quem sou eu? Uma programadora, estudante de engenharia da computação, resolvo tudo o que é possível online, não vou mais ao banco, não pego fila de lotérica, a não ser que eu não tenha alternativa. Se fosse possível fazer consulta médica via Skype, eu faria. Então como é que posso estar fazendo esse tipo de julgamento?
Bom, é justamente por todos os motivos que acabei de citar. Me dei conta do quanto a vida passou a ser eletrônica e online. Me dei conta da diferença que faz passar uma tarde toda conversando com a minha irmã olhando pro rosto dela em vez de mandar um punhado de áudios no whatsapp. Me dei conta do quanto valorizo uma refeição com meu noivo só conversando sobre assuntos aleatórios, sem olhar no celular. Me dei conta de que o abraço da minha mãe vale um milhão de textos e vídeos que ela me envia no messenger do Facebook.
Também me dei conta de outras várias coisas. As crianças começam a mexer no celular antes de aprenderem a falar. A brincadeira preferida passou a ser jogos no celular do pai, mas aí é mais fácil dar logo de uma vez um tablet, o pai precisa do celular para trabalhar. As amigas tem grupos de whatsapp onde o maior assunto é “vamos marcar de sair” e de fato nunca acham tempo para sair e quando saem, cada uma fica presa em seu celular falando com o namorado ou com outra amiga. As conversas sobre hipóteses de alguma coisa são encerradas mais do que de pressa com 2 clicks e uma resposta do google. A mesa do bar virou cenário para fazer os stories do instagram. A viagem de família não é mais embalada por músicas como “um elefante incomoda muita gente” cantadas por toda a família, o rádio do carro toca uma música que os pais gostam e as crianças estão no banco de trás vendo um filme.
É a evolução, as coisas mudam, o mundo muda. É obvio que eu sei disso. É obvio que eu faço parte disso. É obvio que você faz parte disso. A única forma de não fazer parte disso é viver em isolamento em uma montanha sem acesso a meios de comunicação. O mundo está globalizado, é globalizado. A tecnologia ocupou todo o espaço que já foi possível. Entretanto, ainda acho que certas coisas devam ser preservadas. Ainda acho que a tecnologia não deveria tomar certas posições de tanta importância. Ainda acho que os pais deveriam dar explicações meio bobas para as crianças sem que elas pesquisem qualquer coisa no google. Ainda acho que os casais precisem parar, conversar, olhar um no olho do outro e falar sobre teorias do universo sem se preocupar se o Fulano daquele contrato de trabalho já retornou aquele email ou se aquele casal de amigos está viajando para a Suíça de férias. Ainda acho que irmãos precisem de tempo naquele parque perto de casa, só sentados na grama ou jogando bola em vez de trocar meia duzia de mensagens ao longo da semana.
Usamos da tecnologia para comunicação o tempo todo, ela facilita muitos processos, ajuda com coisas como se localizar quando está perdido, pedir comida quando está com fome ou conversar com as pessoas que estão longe fisicamente. Isso tudo é ótimo. A tecnologia permite criações incríveis, torna nossa vida cotidiana mais fácil e agradável, faz com que processos chatos sejam menos chatos e coisas complexas sejam menos complexas. Temos uma lista infinita de benefícios que ela nos trás todos os dias, mas como tudo na vida, não é só lado bom, tem o lado negativo também. E um dos pontos negativos é este. A perda de consciência da vida real.
Depois de observar vários cenários ao longo de alguns anos, eu posso afirmar algumas coisas: Vale a pena largar o celular e prestar atenção nas pessoas à nossa volta. Vale a pena parar de falar sobre trabalho nos emails lidos na hora do almoço para ter uma conversa real com quem está almoçando com você. Vale a pena levar os encontros com amigos e familiares mais a sério e realmente deixar os celulares e aplicativos de lado. Vale a pena ter uma conversa inteira sobre um assunto sem consultar o google para provar um ponto. Vale a pena marcar um encontro com antigos amigos, realmente ir e estar lá, presente. Vale a pena sentar na mesa de bar e só tomar sua cerveja, sem fotos, stories, vídeos. Vale a pena dar um abraço de feliz aniversário em vez de mandar lembranças pelo Facebook. Vale a pena dar uma bola para a criança e brincar com ela, em vez de largar um tablet para que ela fique em silêncio. Vale a pena viver a vida offline de vez em quando.