Amanda Carneiro
8 min readJul 11, 2019

Parece que estou repetindo a mesma coisa como um disco quebrado, mas se as coisas já funcionassem como deveriam, isso seria assunto morto, mas não é... Então senta que lá vem textão.

Quando eu decidi seguir a carreira em uma área predominantemente masculina, começaram a acontecer várias coisas que eu achei que só aconteciam comigo e isso me causou vários sentimentos diversos. Vou aproveitar para falar um pouco sobre isso agora porque na semana passada eu e uma amiga conseguimos organizar um evento voltado para tecnologia. Nós duas e mais umas 70 mulheres. Todas juntas. Todas profissionais de ramos ligados a tecnologia. E eu tive muita certeza. Não era só comigo. Não era só eu. Não era minha culpa. Não era eu quem tinha escolhido a área errada. Não era eu que tava dando em cima ou sendo uma cavala estúpida. Não era eu quem era burra… Tive essas certezas assim como sei que todas elas também tiveram.

Bom, eu sempre trabalhei com computadores, tecnologia, programação, desenvolvimento e afins, foi o único tipo de profissão que eu já tive, sempre ouvi o mesmo tipo de discurso e eu sempre achei que tudo isso fosse coisa minha, eu é quem tinha que ser forte e resiliente. Eu quem tinha que me impor e brigar por tudo. Nunca imaginava que a culpa de tanta dificuldade talvez não fosse minha. Eu achava que se reclamasse e falasse das coisas que me incomodavam eu ia estar sendo fraca, ia estar dando motive para ELES falarem de mim, para ELES me acharem fraca, para ELES me julgarem. Então eu não falava. Eu só vivia, mas chegou uma hora que a bola de neve ficou grande demais pra ser ignorada e eu decidi parar de empurrar tudo morro abaixo sem me preocupar com os fatos. E os fatos não eram dos mais legais:

Não queriam me contratar por eu ser mulher, falaram que eu ia estragar o clima, que eu ia querer mudar as coisas por lá e o ambiente não ia mais ser o mesmo. Eles nem me conheciam e já assumiam que eu não era boa o bastante pra estar lá, mesmo que eu tivesse feito uma prova que mostrava o contrário. Eles sempre questionavam o que eu queria fazer, sempre diziam que eu precisava de uma supervisão para ter certeza de que não ia estragar tudo.

Eles faziam piadas de mau gosto, inclusive piadas sobre estupro. Estupro nunca devia ser piada, mas eles não se importavam, afinal eu era a única mulher lá e era quase como um cara, eu não tinha "as frescuras de mulherzinha" de acordo com eles.

Eu tentava dar minhas ideias, mas elas sempre ficavam em segundo plano, não era uma ideia tão boa assim, afinal se fosse uma idea boa o "nerd" do lugar teria tido essa ideia, não eu.

Esses fatos são só uma pontinha do iceberg. Eu nunca achava que as coisas aconteciam dessa forma por eu ser mulher. Afinal de contas, eu nunca tive parâmetro para comparação, sempre fui a única mulher em times cheios de homens. Então aquilo era meu normal. Aquela forma de agir, de tratar as coisas, de reagir, era normal, mesmo que lá no fundo doesse, mesmo que eu tivesse que tirar forças não sei de onde pra engolir certas situações, era o normal….

Se eu era educada, tava dando em cima, se eu era direta e clara, tava sendo um poço de grosseria. Até que eu decidi ser mesmo a tal da grossa o tempo inteiro. Eu gritava, brigava, xingava, era o único jeito de me escutarem e ainda assim, o respeito não vinha. Eles me levavam a sério, mas era por medo do escândalo que eu fazia, da vergonha que eu fazia eles passarem, era por medo de que eu pisasse no ego deles. Eu me tornei uma pessoa grossa de verdade e isso era uma verdadeira bosta. Eu cansei, meu Deus como eu cansei, ser grossa até quando a única coisa que você quer é chorar cansa demais. Mudar é difícil, mas eu não aguentava mais ter que lidar com as coisas daquele jeito tão extremo.

Eu cheguei em um momento da vida onde me questionava todos os dias se eu deveria mesmo estar fazendo aquilo. “Comecei a programar cedo demais, eu nem sabia direito o que estava fazendo, talvez fosse um grande erro mesmo.” Eu não queria mais programar. Eu não queria mais trabalhar com aquilo. Eu queria ir embora. Embora pra onde? Também não sabia. Eu simplesmente não aguentava mais tudo aquilo. Cada piadinha infernal, cada “brincadeira”, cada cometário ignorante, tudo era como uma bola de canhão a mais, em cima da minha cabeça.

Só que a vida também coloca pessoas boas no nosso caminho e uma pessoa boa me ajudou a ver que eu não precisava sofrer tanto com tudo aquilo. Que eu podia sentir dor, sofrer, ser fraca às vezes, podia chorar se precisasse e isso não era um sinal de que eu era uma perdedora. Foi aí que eu comecei a encontrar forças para lutar de novo. Foi aí que eu comecei a perceber que talvez tudo aquilo não precisasse ser daquele jeito tão extremo e foi aí que eu me permiti encontrar outras mulheres, que assim como eu sofriam e que assim como eu também se sentiam incapazes, fracas e menores em um meio de trabalho hostil. Foi aí que eu me dei conta de que a única forma de conseguir ser uma profissional e uma pessoa completa, era me unindo a outras mulheres, que assim como eu tinham o amor pela tecnologia e a dor pelo ambiente péssimo que pode ser criado em torno de profissionais da tecnologia.

Esse evento que aconteceu na semana passada foi o retorno do Women Techmakers e o começo do Women Who Go. Dois programas do Google, com o um mesmo propósito principal, criar ambientes seguros e com apoio para que mulheres possam se desenvolver em meio a tecnologia. E foi o que aconteceu nesse evento. Muitas mulheres juntas, muitas mesmo. Compartilhando suas histórias de vida, seus medos, suas barreiras, suas capacidades e me dei conta de que temos muito em comum.

Claro que temos muito em comum, somos mulheres, que trabalham com tecnologia, que trabalham em ambientes onde muitas vezes somos únicas e sozinhas. Nesse cenário que é o cenário que permite que homens, muitas vezes infantis, desrespeitosos, arrogantes e pretenciosos se sintam no direito de faltar com o respeito com as mulheres ou com a mulher que está ali.

Claro que temos muito em comum, todas já ouviram piadas de mau gosto, todas já levaram uma cantada de um cara muito mais velho e sem respeito nenhum, todas já tiveram que ver sua ideia ser roubada por um cara, todas já passaram medo, angústia ou dor por ter escolhido a profissão… Programadora, design, produtora de conteúdo, analista de sistemas…

Claro que temos muito em comum, somos mulheres capacitadas, inteligentes, fortes, corajosas, que tiveram que brigar muito para conquistar um espaço que ainda é dos homens.

Quero mesmo que algum homem venha falar que é besteira, mas venha com tempo pra escutar.

Ser mulher trabalhando como programadora, desenvolvedora, pesquisadora, professora universitária ou qualquer uma dessas profissões onde a tecnologia é a coisa mais importante e é a habilidade a ser desenvolvida, não é fácil. E sabe, a parte mais difícil talvez nem seja a parte técnica. Nos requisitos para aprender a programar você só precisa aprender um pouco de lógica, ter acesso a um computador é uma boa, precisa gostar de aprender e precisa estudar. Nos requisitos para aprender a programar, não consta um pênis, mas às vezes parece que consta. Parece que programar é mais difícil quando você é mulher, parece que ser mulher tira a sua capacidade de criar, desenvolver e programar…

Ser mulher nessa área de tecnologia é cansativo e é honestamente uma bosta quando a gente se depara com homens que não tem o mínimo do respeito e da empatia. Eu posso fazer uma lista com um quilometro de coisas ruins que homens já me fizeram passar no trabalho, eu poderia fazer uma lista de 100 quilômetros se eu fosse falar de todas as coisas ruins que os homes já fizeram cada uma das mulheres que estavam naquele encontro, mas isso não traria nenhum bem, não é mesmo?! Então eu vou fazer outra coisa. Em vez de uma lista de coisas ruins que homens já fizeram, vou fazer uma lista de coisas positivas que homens podem fazer, pra tornar nosso trabalho melhor. Não é uma lista de favores, não é uma lista de vantagens que homens deveriam dar a mulheres para que elas tenham um caminho mais fácil do que eles, é uma lista básica do respeito, que deveria ser simples, mas não é, afinal nem todos os homens conseguem seguir. São só 10 itens, não é muito difícil de seguir.

1. Não interrompa uma mulher enquanto ela está falando sobre uma ideia ou sobre um assunto que o time está discutindo ou sobre qualquer coisa na verdade… A sua opinião não é mais importante do que a opinião dela para que você se ache no direito de fazer interrupções.

2. Se uma mulher está trabalhando na mesma função que você e ela não pediu sua ajuda para resolver um problema, não trate como se ela não soubesse o que está fazendo, se ela está na mesma função que você, ela tem capacidades parecidas com as suas, então o que você sabe não é necessariamente melhor do que o que ela sabe, não saia dando pitaco se sua opinião não for solicitada.

3. Se você achar que uma colega de trabalho é bonita, guarde a sua opinião para você, o ambiente é profissional, não é um bar para você sair flertando por aí. Ah e especialmente, se só tiver uma mulher no time ou na empresa, ela não precisa e não quer ouvir você falando o que bem entende sobre a aparência dela. Acredite em mim.

4. Sempre que você for fazer uma piada para querer ser engraçado, pense no que sua mãe diria a respeito dessa piada. Se sua mãe fosse te dar uma bronca, te achar um canalha, achar que ela te deu uma bosta de uma educação, guarde a piadinha para você, é uma piada ruim.

5. Não fale com uma mulher encostando e pegando nela. De novo, é um ambiente de trabalho, mulher nenhuma quer ir trabalhar e ter que lidar com homens encostando nela sem que ela queira. Não é agradável, não é um ato de cortesia, não é uma forma de criar amizade ou vínculo, só é desrespeitoso e nojento (a gente não sabe onde você enfiou essa mão cheia de dedos antes de encostar na gente).

6. Não tente constranger uma mulher só para que seus colegas, homens, tenham do que rir.

7. As mulheres percebem muito bem a diferença entre educação e flertar. Só uma das duas coisas é boa e pode ter certeza que não é o flerte.

8. Não diga o que você acha que uma mulher deve ou não fazer, que tipo de roupa deve usar, se deve sorrir ou ser séria, não diga como ela deve se comportar, mulher nenhuma quer colegas de trabalho mandando e desmandando na vida dela. Se ela não estiver infringindo nenhuma regra da empresa, guarde sua opinião para você.

9. Não compare uma mulher com outra, nós já crescemos tendo que lidar com uma competitividade da qual não precisamos, homem nenhum é árbitro de comportamento feminino pra ficar julgando.

10. Faça o mínimo: tenha respeito. Pelo menos tente se colocar no lugar de qualquer mulher do seu convívio.

E um bônus:

11. Se esforce para não ser um babaca.

Espero ter ajudado.

Amanda Carneiro

Engenheira de software, apaixonada por tecnologia. Amo arte, amo conhecer lugares novos e viver viajando é o que me motiva todos os dias.