Amanda Carneiro
4 min readJan 10, 2019

Ele foi em silêncio. Foi em paz e no total silêncio. Logo ele. Eu esperava qualquer coisa dele, menos o silêncio.

Para cada uma decisão que eu tomava ele tinha 10 questionamentos, 5 conselhos, 3 formas diferentes que ele faria e pelo menos 1 motivo para que eu mudasse minha decisão para o completo oposto. Eu esperava qualquer coisa, menos o silêncio dele.

Ele sempre falava o que ele pensava, mesmo que eu não tivesse perguntado. Ele falava sobre os outros, sobre mim, sobre o mundo, sobre assuntos que ele mal conhecia, mas sempre falava. Eu esperava tudo, menos o silêncio.

Eu cresci sabendo que eu era a princesa dele, sabendo que se ele pudesse me colocaria em uma masmorra de um castelo para não deixar ninguém me atingir. Eu cresci sabendo que para todas as coisas que eu quisesse fazer eu teria que dar um bom motivo para que ele permitisse e teria que andar na linha para não dar nenhum motivo para que ele não permitisse, ele me falava o que eu tinha que fazer para conquistar o direito de fazer alguma coisa, mas nunca me falava o que me faria perder esse direito. Ele aconselhava, falava o que era certo, falava o que era errado, falava o que ele não gostava e o que gostava também. Eu esperava qualquer coisa, menos silêncio.

Ele maratonou Star Wars, Senhor dos Anéis, Harry Potter e todos os outros filmes que eu quis assistir. Minha mãe sempre dormia antes dos primeiros 20 minutos, minha irmã odiava e achava outra coisa para fazer, mas ele não. Ele via tudo, comentava, fazia pipoca com bacon e dormia no meio do filme, mas incrivelmente sabia de qualquer coisa que eu perguntasse, mesmo que 10 segundos antes ele estivesse roncando, até hoje não sei como ele fazia isso. Em qualquer época da vida eu podia perguntar sobre meus filmes favoritos e ele com certeza lembrava de muita coisa, me falava sobre personagens que eu nem lembrava e me falava sobre os personagens que surgiram depois e eu nem sabia. Eu esperava tudo dele, menos o silêncio.

Ele raramente me elogiava, mas quando eu entrei no ensino médio da UTF-PR, ele me chamava de acadêmica do papai, dos 14 aos 18. Ele fazia questão de me chamar assim porque sabia que eu morria de vergonha e ele morria de orgulho. Ele tinha muito orgulho de mim, disso eu sei, disso eu tenho certeza. Ele não queria me deixar mudar de cidade para fazer faculdade, mas eu fui mesmo assim. Ele não me falava isso, mas ele falava para todo mundo: minha filha mora sozinha, está cursando engenharia e trabalha, quero ver filho de quem faz isso. Ele falava o quanto era feliz por cada conquista mínima minha, quando ninguém dava bola, ele dava. Eu não esperava que ele se calasse.

Ele brigava comigo, sempre que possível e eu brigava com ele sempre que possível também. Acho que o maior hobbie que tivemos ao longo da minha adolescência foi esse: discutir por coisas bobas e sem solução, pelo maior número de horas possível. Foi por isso que aprendi a argumentar com uma velocidade muito grande, especialmente quando fico brava. Eu não esperava que ele fosse sem me dar mais uma bronca.

Sabe, quando eu era criança ele me falava que um dia, quando eu tivesse um namorado, era pra eu contar pra ele. Eu não contei, eu sabia que ele ia brigar e brigou, claro. O que eu não esperava é que ele fosse me dizer que estava muito feliz com meu noivado e queria saber dos netos dele logo. Isso eu não esperava mesmo. Eu esperava era que ele fosse me levar puto no altar e entregar minha mão para meu noivo dando uma bronca nele sem ninguém perceber.

Uma coisa que quero carregar para meus filhos são as viagens de carro e piqueniques. Sempre fomos exímios cantores e cantamos de tudo, desde um elefante incomoda muita gente por horas a fio até Zé Ramalho e seu Avohai. Eu nunca mais vou conseguir escutar essa música sem juntar água nos olhos. Essa música e tantas outras… Eu esperava ele cantando, eu esperava ele repetindo a mesma música por horas, não esperava o silêncio.

Eu sempre fui independente e sempre quis fazer tudo sozinha e ele sempre quis me colocar embaixo da asa e me dizer o que fazer. Eu vou sentir falta disso. Eu esperava que ele me desse algum conselho, que me mandasse fazer alguma coisa e não que só me pedisse para cuidar da minha mãe, simples e sucinto: cuide da sua mãe, ela precisa muito de você e vai precisar mais ainda, ela é forte, mas agora ela vai precisar.

Uma coisa que nunca vai sair da minha cabeça é que uma vez ele viajou para a casa da minha vó e me deixou em casa com minha mãe, eu fiquei doente e minha mãe me levou até ele, quando cheguei lá, os 5 dias de febre passaram. Eu não estava doente, estava com saudade dele.

E essa saudade fica. Fica pelo resto da minha vida. Eu sei que a gente brigava porque eu nasci com a personalidade dele. Eu sei que ele me amava e ele sabia que eu amava ele.

Ele foi em silêncio, em um sono profundo, com minha mãe segurando a mão dele. Ele foi sabendo que foi amado e sabendo que a saudade nunca vai embora. Ele foi em silêncio depois de ter usado tantas palavras com tanta gente. Ele foi em silêncio depois de ter propagado a palavra de Deus e de ter levado o discurso que tirou tantos da vida das drogas. Ele foi bem quietinho, em silêncio, depois de ter feito tanto barulho nesse mundo.

Obrigada pai, por ter usado tanto a sua voz comigo. Obrigada por ter me ensinado a ser quem eu sou hoje. Obrigada por ter tido tanto orgulho de mim. Vou fazer o meu melhor e minhas palavras vão levar as suas por aí. Te amo.

Amanda Carneiro

Engenheira de software, apaixonada por tecnologia. Amo arte, amo conhecer lugares novos e viver viajando é o que me motiva todos os dias.