Se entregue à maternidade
Eu não entendia direito o que isso queria dizer, papo de maluco… E eu vou por acaso esquecer quem eu sou e me entregar a só ser mãe?! Não, não é isso que quer dizer. Quer dizer que só o processo de virar mãe, no caso a gestação, já faz com que você precise escolher entre abraçar tudo o que está acontecendo, se entregar ou se ressentir com você mesma por estar sofrendo ou sentindo dor, ou sentindo enjoo ou por estar percebendo as mudanças no peito, no tamanho da barriga, no cabelo e em cada centímetro do seu ser e da sua existência. Não existe um: ficar feliz por estar com um mal estar fodido a uma sensação térmica de 45 graus no verão carioca. Esse foi um dos episódios para mim, passar mal por uma semana, todos os dias, em um verão quentão do RJ. Eu me abracei a uma coisa: é temporário. Isso é se entregar à maternidade.
Tem gente que ama o processo de estar grávida, ama o barrigão e tudo mais. Eu amei o fato de estar trazendo vida à minha filha, mas os enjoos, o mal estar, dor na lombar, azia e má digestão, disso eu não sinto falta não. Eu não fui aquela mãe que se sente mãezona já na gestação. Eu ficava o tempo todo me questionando se eu seria mesmo capaz de ser uma mamãe. Sabe?! A mamãe, a mãe do: ela tá chorando muito e só resolve no colo da mãe ou a mãe do: esse choro é de fome, de sono, de dor. E no fim das contas eu sou essa mamãe, a mamãe da Amelie. Isso é se entregar à maternidade.
Eu já me vi fazendo muita coisa, muitas delas relacionadas à minha versão profissional, muitas delas buscando um lado aventureira, mas nenhuma delas era sendo mãe, ainda mais mãe de um bebezinho frágil e novo, recém nascido. Mas eu caminhei ao longo dos dias da gestação me preparando, fazendo o que mais me conforta quando estou de frente ao desconhecido e à uma situação nova, onde vai ser esperado que eu saiba alguma coisa… eu estudei. Estudei a gestação, o parto, a amamentação, o puerpério, a depressão pós parto, estudei. E aí ela nasceu. Ela chegou e eu não tive alternativa a não ser me entregar a ser a mamãe que minha filha precisa. Eu não tive alternativa porque no momento em que ela saiu de mim e deitou no meu peito eu entendi que: MEU DEUS ELA TA AQUI MESMO, É DE VERDADE! Não é que eu não tivesse alternativa, eu poderia fazer muitas coisas, mas dentre todas as coisas que eu poderia fazer eu escolhi abraçar e cuidar dela com todas as minhas forças.
Eu estou sentindo uma coisa que não achei que fosse sentir por inúmeros motivos, que não vem ao caso agora: eu estou amando ser mãe da minha filha. Eu quero cuidar, dar abrigo, conforto e carinho para ela e não estou mesmo me incomodando com o cabelo preso em um coque requinguela, o banho matinal adiado pra 2 da tarde, o almoço que vira lanche da tarde, não é um ato de altruísmo. É lógica. A mais pura e sincera lógica. É binário. Deixa eu explicar porque…
Eu, uma mulher adulta de 31 anos. Eu sei o que é fome, sono, dor, desconforto, felicidade, tristeza, saciedade, amor, paz de espírito, ódio. Eu sei o que são essas coisas e eu sei o que são as minhas coisas. Eu sei quais são as coisas que eu gosto e as que eu odeio, eu sei que se eu não tomar banho agora, dá pra tomar depois… E ela? Tudo é novo e desconhecido, tudo é descontrolado, ela não sabe nada disso e ainda depende que alguém “adivinhe” o que ela quer, sente ou precisa e faça por ela. Eu sou esse alguém. Eu sou a mamãe dela. Então é lógica. Não existe para mim o: “sou mais que mãe, quero lembrar quem eu sou fora disso” ou “preciso espairecer e ficar longe dela um pouco” não existe porque eu sou a pessoa dela agora. Ela vai crescer e vai ter as outras pessoas dela ao longo da vida, mas agora eu sou a pessoa dela, é em mim que ela confia, foi comigo que ela passou a vida todinha dela, ela nasceu de mim então se ela conhece alguma coisa essa coisa sou eu. Não existe nada de poético nisso sabe… Eu como mamãe dela tenho que ser lar e casulo, espada e escudo, luz no escuro. Acho meio brega o sentimento de: “eu abri mão de mim por meus filhos”… Não. Eu não abri mão, eu sou uma nova versão de mim que está feliz e perfeitamente ok em seguir o caminho. Isso é abraçar a maternidade. Se você não faz isso, sabe o que acontece? Você culpa seus filhos por terem te “roubado” uma versão sua que já deixaria de existir de qualquer forma, sabe por que? Porque TODAS as nossas versões deixam de existir e são substituídas por versões novas o tempo todo, ou vai me dizer que você de 30 anos é a mesmíssima coisa que você de 16? Se é, minha filha vai se tratar porque você ta vivendo errado…
Então, se entregar à maternidade vai ter significado diferente para todo mundo e para mim é simplesmente estar aqui por ela. Eu sou por ela. Eu faço por ela. Eu vou por ela. Até que ela possa fazer sozinha. Aí eu vou ganhar uma nova versão, a versão de suporte dela e quando esse momento chegar eu vou abraçar isso também porque é assim que eu consigo fazer e ser. Não existe lógica pra mim na mulher que ama a gravidez e não gosta tanto assim de ser mãe, ou a que gosta de ser mãe de bebê, mas não gosta de ser mãe de criança ou a que gosta de ser mãe de criança, mas não gosta de ser mãe de adolescente… mas cada um com seus B.O. Né?! O que você achou que ia acontecer, linda? Ser mãe é um evento, a pessoinha que está nascendo do seu evento de ser mãe é um ser humano que vai ter a própria vida, as próprias vontades e que vai virar adulto, tão adulto quanto você era no momento em que colocou esse ser no mundo e você vai ter que lidar com isso, mas tem gente que nunca fica pronta pra essa noticia né?! Enfim… Esse texto não é pra demonstrar minha revolta e ranço com certos tipos de coisa. É só uma reflexão ao ato inevitável de abraçar a maternidade pra mim. Eu inevitavelmente abraçaria ser mãe da Amelie. Ela chegou e chegou sendo preciosa e eu como guardiã dessa preciosidade só consigo estar aqui pra ela o tempo todo, mesmo que isso signifique nunca mais ter uma noite de sono de 12 horas, por sinal eram as minhas favoritas depois de grandes projetos… Agora nessa versão brasileira Herbert Richers que eu tenho, vou enfrentar os grandes projetos e vou lidar com as noites de sono picado e que se foda, é assim que é e daqui a um tempo vai mudar de novo e eu estou bem com isso. Então abraçar a maternidade pra mim também é me permitir estar feliz, romantizando minha vidinha na Bahia enquanto amamento em livre demanda a maior preciosidade que já vi na vida. Abraçar a maternidade não é sofrido para mim porque eu me permiti deixar a minha versão pré-maternidade onde ela deve ficar, na minha história, na minha construção, na minha bagagem de vida.